Semeando a vida no Cosmos, velejando
pelas águas do luto e saboreando os encantos do prometido Éden; Agartha fala de
mistérios íntimos ao coração dos iniciados. Mistérios que mesmo eu hesito
postular em palavras - e que Edgar Franco traduziu tão bem com sua arte poética
e filosófica.
As pinceladas de Dr. Franco são
encharcadas de referências ao erótico, figurando o sexo como uma manifestação
de nossa natureza instintiva, primal e divina. A nudez expressa um estado de
pureza - um convite à comunhão com o que há de mais natural em nós.
Meu alicerce para essas observações
passa pelo estudo de um sensível pesquisador, José A. Gaiarsa. Psicanalista
brasileiro, J.A.Gaiarsa é responsável por trazer ao Brasil as ideias de Wilhelm
Reich, discípulo de S.Freud e terapeuta corporal. Faço, portanto, um paralelo
entre a obra de Edgar e as ideias que esse escritor nos apresenta sobre o
corpo, o sexo e o amor.
O sacro-sexo é um tema central em
Agartha. A comunhão entre parceiros representa o próprio Éden - estado de
sublime comunhão com o infinito. Enquanto os amantes se entrelaçam e se
confundem um no outro o tempo para, o resto do mundo se abstrai, inexistindo
outra instância do espaço-tempo senão aquela em que os enamorados se fazem
presentes em carne, alma e espírito.
Tal é minha descrição da sublime
experiência representada nas páginas de Agartha. Contudo, o mesmo conceito pode
ser encontrado em Amores Perfeitos, título da transcrição de um circuito de
palestras que J.A.Gaiarsa ministrou em Brasília no princípio dos anos 1990’s.
Aqui, o psicanalista descreve as características de um contato vivo, corpo a
corpo - alma com alma - que melhor representa o estado amoroso genuíno e
enriquecedor.
Eu e você e mais nada. Eu gostaria de comparar essa sensação de
isolamento a dois com a formação de um casulo. Ocorre o isolamento porque vai
acontecer uma coisa muito importante e muito delicada aqui dentro - entre nós.
Só nós dois no universo - é muito bonito isso. - GAIARSA, Amores Perfeitos,
p.39-40
O terapeuta também descreve a maneira
como esse estado amoroso pode quebrar com a barreira erguida pelas restrições
sociais. A couraça muscular do caráter é uma proposição teórica de W.Reich
e descrita por J.A.Gaiarsa como “toda a força que eu faço para não fazer aquilo
que eu quero, aquilo que gosto, aquilo de que preciso” (Gaiarsa,1994).
Wilhelm Reich descreve o orgasmo - o
bom orgasmo - como possuindo a função biopsíquica de quebrar a couraça dos
preconceitos e restrições a que nossos corpos são submetidos pelo
condicionamento social - regulatório, restritivo e neurótico. Em convergência
com W.Reich, George Bataille descreve semelhante estado de derretimento
provocado pela união erótica.
O filósofo G.Bataille discrimina um
solvente e um catalisador na complexa ritualística do empreendimento
amoroso, componentes da reação que dissolve as barreiras do corpo e do Ego,
permitindo que aos amantes a comunhão com a continuidade. Enquanto seres
finitos, delimitados por nossas identidades - sempre restritivas, neuróticas - nos manifestamos no mundo como seres descontínuos, com começo e fim, nascimento
e morte; posturas, gestos, desejos e intenções limitadas por nossas
possibilidades no espaço-tempo circunstancial.
O que G.Bataille propõe é que a união
amorosa, quando plena, é capaz de desmanchar essas limitações, ao menos, entre
os sujeitos que a ela se submetem. Um encontro - agora em J.A.Gaiarsa -
individualizante, na medida em que pinça aquele rosto anônimo da multidão e o
põem à frente de seu amante, distinto e especial . É necessário perder-se no outro para emergirmos mais
seguros de nossa própria identidade. Assim, o amor individualiza, edifica e
revigora o espírito.
Tais digressões parecem cair longe do
alvo, contudo, é Edgar Franco quem acerta em cheio ao representar o estado
amoroso como um gozo prazenteiro, capaz de dissolver amarras e desafiar a
consistência do próprio ego. A sensação de aqui-agora se torna tão viva e forte que nossa percepção do espaço se torna maleável quando nos encontramos livres das amarras do
tempo. Na comunhão amorosa, somos
eu e você, carne e pele - nada de títulos, honrarias ou posição sociais. Tal
está estampado em Agartha, para os olhos que se propõem a enxergar.
Ao final da obra, Edgar apresenta um
risco sobre a maneira como podemos recorrer a viver o amor de forma egoísta e
inconsciente. Da convivência contínua e ininterrupta, pode surgir o tédio, o
fatigante e o monótono. Não por coincidência, Gaiarsa alerta sobre o mesmo
perigo: todo estímulo quando muito repetido, para de ser notado. É humano - e
muito natural. É portanto que o psicanalista sugere, gentilmente, que o segredo
para um bom amor é fugir da monotonia.
Vida é variação. Tudo o que não muda,
só pode estar morto. “A repetição é a defesa contra a criação” (Gaiarsa, 1994).
Franco alerta contra a monotonia do contato contínuo que, quando mal dosado,
converte-se em insensibilidade - e o prazer transforma-se em dor.
Estes foram alguns comentários mais
profundos sobre referências teóricas e inspiradoras que o trabalho do professor
Franco me evocou. Pretendo permitir que esse diálogo de ideias, aspirações e
sonhos se prolongue tanto quanto possível. Contudo, por hora, encerro minha
prosa convidando o leitor a adquirir a obra pelo link abaixo!
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Fausto Ramos
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