segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Agartha: Amor e Sexo



Semeando a vida no Cosmos, velejando pelas águas do luto e saboreando os encantos do prometido Éden; Agartha fala de mistérios íntimos ao coração dos iniciados. Mistérios que mesmo eu hesito postular em palavras - e que Edgar Franco traduziu tão bem com sua arte poética e filosófica.

As pinceladas de Dr. Franco são encharcadas de referências ao erótico, figurando o sexo como uma manifestação de nossa natureza instintiva, primal e divina. A nudez expressa um estado de pureza - um convite à comunhão com o que há de mais natural em nós.


Meu alicerce para essas observações passa pelo estudo de um sensível pesquisador, José A. Gaiarsa. Psicanalista brasileiro, J.A.Gaiarsa é responsável por trazer ao Brasil as ideias de Wilhelm Reich, discípulo de S.Freud e terapeuta corporal. Faço, portanto, um paralelo entre a obra de Edgar e as ideias que esse escritor nos apresenta sobre o corpo, o sexo e o amor.

O sacro-sexo é um tema central em Agartha. A comunhão entre parceiros representa o próprio Éden - estado de sublime comunhão com o infinito. Enquanto os amantes se entrelaçam e se confundem um no outro o tempo para, o resto do mundo se abstrai, inexistindo outra instância do espaço-tempo senão aquela em que os enamorados se fazem presentes em carne, alma e espírito.


Tal é minha descrição da sublime experiência representada nas páginas de Agartha. Contudo, o mesmo conceito pode ser encontrado em Amores Perfeitos, título da transcrição de um circuito de palestras que J.A.Gaiarsa ministrou em Brasília no princípio dos anos 1990’s. Aqui, o psicanalista descreve as características de um contato vivo, corpo a corpo - alma com alma - que melhor representa o estado amoroso genuíno e enriquecedor.

Eu e você e mais nada. Eu gostaria de comparar essa sensação de isolamento a dois com a formação de um casulo. Ocorre o isolamento porque vai acontecer uma coisa muito importante e muito delicada aqui dentro - entre nós. Só nós dois no universo - é muito bonito isso. - GAIARSA, Amores Perfeitos, p.39-40

O terapeuta também descreve a maneira como esse estado amoroso pode quebrar com a barreira erguida pelas restrições sociais. A couraça muscular do caráter é uma proposição teórica de W.Reich e descrita por J.A.Gaiarsa como “toda a força que eu faço para não fazer aquilo que eu quero, aquilo que gosto, aquilo de que preciso” (Gaiarsa,1994).

Wilhelm Reich descreve o orgasmo - o bom orgasmo - como possuindo a função biopsíquica de quebrar a couraça dos preconceitos e restrições a que nossos corpos são submetidos pelo condicionamento social - regulatório, restritivo e neurótico. Em convergência com W.Reich, George Bataille descreve semelhante estado de derretimento provocado pela união erótica.

O filósofo G.Bataille discrimina um solvente e um catalisador na complexa ritualística do empreendimento amoroso, componentes da reação que dissolve as barreiras do corpo e do Ego, permitindo que aos amantes a comunhão com a continuidade. Enquanto seres finitos, delimitados por nossas identidades - sempre restritivas, neuróticas - nos manifestamos no mundo como seres descontínuos, com começo e fim, nascimento e morte; posturas, gestos, desejos e intenções limitadas por nossas possibilidades no espaço-tempo circunstancial.

O que G.Bataille propõe é que a união amorosa, quando plena, é capaz de desmanchar essas limitações, ao menos, entre os sujeitos que a ela se submetem. Um encontro - agora em J.A.Gaiarsa - individualizante, na medida em que pinça aquele rosto anônimo da multidão e o põem à frente de seu amante, distinto e especial . É necessário perder-se no outro para emergirmos mais seguros de nossa própria identidade. Assim, o amor individualiza, edifica e revigora o espírito.


Tais digressões parecem cair longe do alvo, contudo, é Edgar Franco quem acerta em cheio ao representar o estado amoroso como um gozo prazenteiro, capaz de dissolver amarras e desafiar a consistência do próprio ego. A sensação de aqui-agora se torna tão viva e forte que nossa percepção do espaço se torna maleável quando nos encontramos livres das amarras do tempo. Na comunhão amorosa, somos eu e você, carne e pele - nada de títulos, honrarias ou posição sociais. Tal está estampado em Agartha, para os olhos que se propõem a enxergar.

Ao final da obra, Edgar apresenta um risco sobre a maneira como podemos recorrer a viver o amor de forma egoísta e inconsciente. Da convivência contínua e ininterrupta, pode surgir o tédio, o fatigante e o monótono. Não por coincidência, Gaiarsa alerta sobre o mesmo perigo: todo estímulo quando muito repetido, para de ser notado. É humano - e muito natural. É portanto que o psicanalista sugere, gentilmente, que o segredo para um bom amor é fugir da monotonia.

Vida é variação. Tudo o que não muda, só pode estar morto. “A repetição é a defesa contra a criação” (Gaiarsa, 1994). Franco alerta contra a monotonia do contato contínuo que, quando mal dosado, converte-se em insensibilidade - e o prazer transforma-se em dor.


Estes foram alguns comentários mais profundos sobre referências teóricas e inspiradoras que o trabalho do professor Franco me evocou. Pretendo permitir que esse diálogo de ideias, aspirações e sonhos se prolongue tanto quanto possível. Contudo, por hora, encerro minha prosa convidando o leitor a adquirir a obra pelo link abaixo!
 
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Fausto Ramos

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Confira também minha vídeo-resenha sobre o álbum Agartha:




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