"Toda Causa tem seu Efeito, todo Efeito tem sua Causa; tudo ocorre de acordo com a lei; o Acaso é tão somente um nome para uma lei não reconhecida; existem muitos planos de causalidade, mas nenhum escapa à Lei."
Uma das principais críticas de David Hume ao racionalismo de sua época era a respeito do pensamento dedutivo. Hume atestava que a recorrência entre dois eventos consecutivos não indicava, necessariamente, que um evento tenha causado o outro.
A exemplo, muitos consideram o raio como a causa do trovão, dado que o trovão sempre segue ao raio. Contudo, tal pressuposto é falso, dado que ambos o raio e o trovão são resultados de uma descarga elétrica, que por sua vez é provocada pela diferença de potencial elétrico entre as nuvens e o solo.
Contudo, sua crítica se estendia além. Vide o famoso exemplo da bola de bilhar. Caso alguém já tivesse visto repetidas vezes, uma bolha de bilhar chocar-se com a outra, aparentemente estendendo seu movimento em uma continuidade - a primeira bola em movimento para, e a segunda bola passa a se deslocar. Não há, na opinião de Hume, qualquer comprovação de que um fenômeno causa o outro.
Segundo o filósofo, a ideia de dois fenômenos se sucederem não significa, necessariamente, que estes fenômenos estão conectados, dado que a conexão exata entre os fenômenos escapa à nossa percepção. Deste modo, os eventos não estariam conectados, mas apenas conjugados. A recorrência dos eventos que se apresentam de forma conjugada provocaria a impressão de que eles estão conectados como objeto de Causa e objeto de Efeito - como o exemplo do raio e o trovão.
Tal nos deixa com um dilema complicado em mãos. Seriam causa e efeito apenas impressões da mente? Estariam os fenômenos conectados apenas pela recorrência - quase despretensiosa - entre eventos que tendem a ocorrerem juntos, mas que não necessariamente causam um ao outro?
Immanuel Kant sugere que "fenômenos" são as coisas que aparecem e se submetem à nossa faculdade de conhecer. Portanto, não existe fenômeno fora àquilo que somos capazes de processar por meio de nossa percepção - e só percebemos aquilo que podemos conhecer.
Com percepção - vale ressaltar - refiro-me ao ato de processar os estímulos recebidos pelos sentidos. Captar um estímulo pelos sentidos não significa percebê-lo; afinal, somos bombardeados diariamente por uma incontável quantidade de estímulos que ignoramos conscientemente - e cujo efeito só é sentido subliminarmente.
Portanto, dizer que os fenômenos estão conectados em nossas mentes é claramente redundante, dado que o fenômeno é uma ocorrência mental - pertencentes ao espaço dos objetos que podemos de fato conhecer. A verdadeira questão, agora, é descobrir se existe conexão entre os fenômenos mentais e os eventos testemunhados na realidade objetiva.
A grosso modo, Kant conclui que o fato de podermos utilizar da razão para conhecer a realidade, implica que existe algum tipo de racionalidade - de causalidade - implícita na relação entre os objetos observados. Tal pode ser comprovado pela maneira como nós utilizamos desta conexão entre os fenômenos - relação que construímos na mente - para provocar outros fenômenos semelhantes. Tal reprodução, sistemática, calculada, não seria possível se a realidade objetiva estivesse completamente à merce de "eventos que se sucedem sem causa ou efeito".
Nós podemos conhecer e compreender um fenômeno, pois em sua natureza, existe algo de compreensível e cognoscível em si mesmo. É a partir desta "cognição em si mesma" que analiso o Princípio da Causalidade explicitado pela Filosofia Hermética.
Não obstante, existem diferentes níveis de cognição para os fenômenos. Nem todos os fenômenos estão conectados por uma cadeia de causalidades linear ou mesmo enumerável.
Muitas pessoas utilizam de argumentos como "física quântica" (raramente compreendendo o que tal significa), para atestar que existem fenômenos imprevisíveis e mesmo ambíguos demais para serem decifrados ou calculados. Contudo, níveis de cognição não tem qualquer relação com complexidade de cálculos, mas com ordens de manifestação e compreensão.
Os fenômenos mentais ligados ao Inconsciente - para citar apenas um exemplo - seguem um padrão aparentemente aleatório e indecifrável. Ainda que tenhamos a técnica de Interpretação dos Sonhos, ela não pode ser tomada como uma solução absolutamente confiável para dizer o que causou ou não um sonho. Interpretar um sonho, muitas vezes, diz muito mais sobre a nossa capacidade de manipular e associar símbolos do que encontrar a raiz geradora de uma manifestação caótica e incontrolável - o inconsciente.
Ler significado nas rachaduras de uma parede, diz muito mais sobre a capacidade de flexão semântica do leitor, do que sobre alguma força sobrenatural que se comunica por rachaduras em paredes.
Interpretar sonhos não significa sermos capazes de compreender completa e perfeitamente nossa psiquê oculta. Significa sermos capazes de produzir sentido diante de algo que extrapola o nosso controle.
Admitir que existem fenômenos cuja natureza sempre escaparão a nossa compreensão também é uma forma de cognoscer uma ordem mais ampla de causalidade. É possível que o último dos véus seja uma ilusão, e todos nossos esforços para desvelar o último dos mistérios nos frustre inevitavelmente.
Encerro apenas com a conclusão de que o incalculável, o intangível e inefável, deve fazer parte da equação da vida, do mundo e da existência. Tal percepção - tal fenômeno epistêmico - é o grau mais elevado de compreensão que consigo alcançar quando reflito sobre assuntos tão nebulosos como: as grandes causas do mundo e as engrenagens que se movem por trás da cortina dos olhos.
Após uma longa e tempestuosa leitura, tudo o que recomendo aos bravos leitores que acompanharam o texto até aqui, é um simples exercício intelectual:
Qual é a causa do seu "eu"?
Existe algo que "causa" você? Algo que serve de cerne ou origem para aquilo que se manifesta na sua pessoa? Caso identifique uma causa, experimente buscar algo que seja causa para esta causa anterior - e prossiga sempre em sentido retroativo.
Eu não vou contar como concluir este exercício - nem mesmo posso afirmar se ele chegará a uma conclusão. Recomendo apenas que façam o experimento, anotem os resultados e colham mais uma chave espetacular de sabedoria!
Até por acaso! - Fausto Ramos
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Ei, psiu! Você ainda está um pouco confuso com esse texto? Acontece que ele acompanha um vídeo sobre o Princípio da Causalidade. Caso ainda não conheça, dê uma conferida no vídeo e volte para o texto com outra compreensão!
Esse exercício de introspecção retoma a maiêutica de Sócrates e a catarse proposta por Freud na busca daquilo que construiu a psique do indivíduo. É muito usado em psicanálise, uma das raras abordagens psicoterapêuticas que em pouco tange o charlatanismo. É também ferramente útil na confissão católica. De qualquer modo, é essencial para não perdermos o resto de sanidade que o século XXI nos deixou, conhecermos a nós mesmos, como liam os peregrinos na entrada do Oráculo de Delfos, nosce te ipsum.
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